terça-feira, 2 de setembro de 2008

Você abriria essa lata?

Aconteceu assim...


Semana passada comprei uma lata de um produto que prefiro não citar o nome. Um pouco antes de guardá-la pude ler no rótulo: “Não contém químicos”.
Minha imaginação fértil, brincalhona e atualmente obsessiva por linguagem foi logo criando a imagem do interior da lata repleta de homenzinhos, todos matemáticos, físicos, qualquer coisa, menos químicos.

Depois de rir sozinho um pouco, imaginando o que eles estariam fazendo dentro da lata, assumi um ar um pouco mais sério e preocupado, pois fora da minha brincadeira mental, eu não conseguia imaginar seriamente o que havia dentro daquela lata, afinal quase tudo que conheço no plano real tangível e especialmente industrial é químico, como a água [H2O, o ar, e os alimentos, enfim. Então afinal, o que tinha ali dentro?

A primeira coisa que me ocorreu foi energia. Sim, isso mesmo, é um produto industrial vendido aos consumidores e não é exatamente químico, embora possa ser produzido quimicamente. Mas nesse caso, poderia ser perigoso abrir a lata, o rótulo não especificava a voltagem, corrente, etc. Eu poderia morrer eletrocutado ou causar uma catástrofe no bairro.

Como a marca do produto mencionava um santo, pensei na possibilidade de algo espiritual. Mas também não me daria coragem de abrir a lata, se fosse uma entidade do mal, me faria mal; se fosse do bem me julgaria, e eu me daria mal. Muitos pecados, sabe como é, né? Mais uma vez não quis abris a lata.

Finalmente pensei na última possibilidade: seria algo abstrato, intangível, metafísico. A lata estaria cheia de amor, felicidade, esperança, virtude... Que bom! Já temos isso em lata, logo teremos em pó! Mas por outro lado, poderia ser ódio, tristeza, pessimismo,...

Definitivamente não vou abrir.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Mini, micro e nano contos





Avó Eugenia

A melhor avó, a melhor mãe e também a melhor esposa do mundo, fazia o melhor biscoito de coco do mundo que era servido juntamente com o melhor cafezinho do mundo. Tudo isso não seria motivo de tristeza, se não fosse contado no velório da Dona Eugenia.

O poeta
Ele sempre se achou um poeta, alma de poeta e comportamento de poeta. Sempre sofreu as desilusões da paixão e viveu amores não correspondidos. Isso é tão intenso que ele esquece de escrever o seu primeiro verso.

O desenhista
Ao vê-la nua, o primeiro desejo foi brincar de liga-pontinhos em sua pele sardenta.
O naufrago
Dois dias no mar e seis meses em uma ilha, o suficiente para confundir coqueiros com prédios e formigas com humanos.

O porteiro
Ele se mexia e remexia na cadeira, a sua cueca já estava molhada, o calor só aumentava, a cada instante, sentia mais quente entre suas pernas: Esbarrou na xícara de chá, no rápido cochilo.
Loteria
Chico sempre jogava os números sorteados da semana anterior. Essa semana ele foi um vencedor por tempo suficiente de alguns gritos e pulos... A moça da loteria esqueceu de trocar o cartaz do resultado.

Deputado Alberto
Durante o jantar em comemoração dos bons resultados nos negócios, Alberto pediu licença aos demais convidados e foi se lamentar no jardim dos fundos. Alberto enjoou de calabresa.
Amor indiferente
Ele a ama loucamente, ele não consegue pensar em mais nada, além de seu amor. Ela também ama loucamente, ainda assim, ele vive afogado em melancolia. Pois ela ama o amigo dele.
Par ou Impar
João nasceu, jogou ‘par ou impar’ com espelho, pediu impar: perdeu. João enlouqueceu, jogou ‘par ou impar’ com espelho, pediu par: morreu.

Hipocondríaco
Aspirina, rivotril, ritalina, diazepam, diempax, lexotan, toma isso e mais algumas doses de outros remédios para combater a hipocondria que ele tem tanto medo.

Rosa
Sapato rosa com meias rosa, saia rosa, blusinha decotada rosa, óculos rosa e batom rosa, além de um laço rosa no cabelo. No colégio o apelido de Rosa é Menina-incolor. Dizem até que ela não tem cérebro, e sim uma borboleta rosa que voa livremente dentro da cabeça oca.

Teoria do Caos

Lucíola escolheu uma mini-saia, notou o pneu do carro: furado. Atrasada para o trabalho, pegou a bicicleta. No outro dia, não entendeu o desastre relatado no jornal: o guarda de transito, distraído, esqueceu de parar os carros na faixa na frente da escola, causando a morte de três crianças que atravessavam correndo.

O carregador
Correntes de ferro se esticavam causando um rangido que poderia ser ouvido de muito longe. Ele fazia muita força para levantar as duas toneladas de penas. Puxava, puxava, puxava, erguia fazendo um barulho infernal,... Finalmente, o guincho conseguiu colocar a carga no navio. O operador que estava sentado em uma poltrona almofadada e controlava tudo com apenas uma mão, liga o ar-condicionado e pede, pelo rádio, um café.

Caipira na cidade
Pensou: se eles soubessem que tenho um lago inteiro só para mim, nem pensariam em piscina; se soubessem que tenho uma floresta inteira só para mim, nem pensariam em jardim; se soubessem que tenho uma fauna inteira só para mim, não contentariam com apenas um gato ou um cachorro; e, só de pensar que posso produzir tudo o que preciso para viver, esqueceriam da briga pelo dinheiro e comércio e viveriam na roça.

Homenagem

O medo

Que medo é esse?
O medo é nome
Timidez sobrenome
E fobia codinome

O medo do medo
E da coragem
Da grade do medo
E da liberdade

O medo do bicho
Na solidão
O medo do homem
Na multidão

O medo do futuro
É o presente do medo
O medo de deus
É o medo da morte

E tremo, e corro,
E choro de medo.

Medo do mundo
Do medo que dá...
Medo!

-------------------------------Corte aqui-------------------------------

Essa é uma homenagem a esse que está presente hoje na vida de todos nós, ao nosso grande mito do imaginário popular, o meu grande amigo íntimo: o medo!

Surto

Sem títulos e sem sentido - aparente


Escolher é discriminar
Definir é limitar
O conhecimento é universal
A opinião é pessoal
Entendi, gostei
Universalizei escolhendo
Discriminei gostando
Pessoalmente opinei:
Que merda, errei.
Sou um homem simples,
Com minhas complexidades.
Sou uma porção de mentiras
E outra de verdades.
A minha alma é rasgada em tiras,
Em cada tira, uma parte da vida.
Em cada parte, um sentimento.
Em cada um deles, uma ferida.
A pele escura
Há pela
rua
A pele nua

Há vontade crua

A crueldade sua.
O verbo é uma cor,
A ação não tem sabor.
A dor é quente.
O som áspero...
O verbo não tem cor,
a ação não tem sabor,
não nego o dissabor.
Sou um átomo,
Sou o universo.

Sou um livro inteiro,
Ou somente um verso.

Não sou brasileiro,

Sou do mundo.

Não sou diplomata,
Não sou vagabundo.

Sou um, dois ou três.

Se sou mais, não sei.

Sou sim, não e talvez.

Sou esse indefinido

Sou o que descreve

Sou o que interpreta

E o que escreve.
Menino, destino e azar.
Cidade, realidade, roubar.
Não come, a fome, matar.
Tá! Tá! Tá!
Como foge do lobisomem?
Come, se está com fome.

Se está com fome, mame.

Ame, se quer ser amado.

Perdoe e seja perdoado.

Viva, não é pecado.
Não vale a pena, uma vez apenas.
Mexe, não pare.
Agora, pare e repare.
Eu quero mais, por favor, faz!
Mais uma vez, duas ou três talvez.
Até de manhã, ou até amanhã.
De hoje a eternidade, quando durar a vontade.
Luz – temperatura
Expressão pura.
Faíscas de gelo

Trituram o cheiro...
Rasgado pela unha de leão.
Palavra-navalha...
O coração pela pedra esmagado
Dilacerado pela paixão,
Assim, ficou em migalhas.
Partes, pedaços, porções,
Cortes, talhos e ilusões.

Pé de aço, forte!

Pedaços, pedaços, pedaços,
Todos frágeis.

Sobre o ato





Esperando o Insight

Eu quero escrever...
Não sei sobre o quê.

Eu quero expressar-me...
Não sei o que dizer.

Isso passará, apesar do querer.

Isso voltará, ao pensar em você.

Eu então escreverei...
Sem saber o porquê.

Enquanto não penso,
Deixo-me subtender.

Isso passará, apesar do querer.

Nota de falecimento



A poesia

Língua-morta,
Usada por uma pequena legião

Vela: chora lágrimas de cera.

Velha será!


Língua-torta,

Angustiada por consciências
Vela: acesa chama vermelha.

Vermelhar!


O que será?

Poesia: Desintegra a linguagem...
Pincela na própria paisagem que está:
Língua-morta.